Vamos desmistificar a poluição dos carros eléctricos
Este artigo vai ser um pouco a repetição do artigo sobre os mitos dos eléctricos, mas focando-se apenas na poluição. É que ainda se fala muito da origem da electricidade ser o carvão, de ser necessário duplicar o actual número de centrais eléctricas e que ao fim de 4 anos quando se mudar as baterias ao carro todas as raposas e coelhos da Serra da Arrábida vão morrer por causa da poluição.
E isto não são apenas pessoas mal informadas, existem "jornalistas" de publicações automóvel que têm este pensamento e divertem-se a espalhar desinformação.
Como é gerada a energia em Portugal e quanto polui?
Portugal tem uma percentagem elevada de energias renováveis, mas não é um dos países mais avançados nesse aspecto. Em 2016 a média anual em Portugal foi de 53,5% de energia produzida a partir de fontes renováveis. Países como a Albania, Islândia e Paraguai tiveram energia produzida a 100% por fontes renováveis. A Noruega 97.2%, o pais europeu com mais carros eléctricos per capita.
Mas renovável não quer dizer sem emissões, mesmo a energia renovável tem emissões. O AR5 Synthesis Report: Climate Change 2014 indica que a energia eólica tem emissões de 11gCO2/kWh, a hidroeléctrica 24gCO2/kWh e a solar 45gCO2/kWh.
Em França temos apenas uma percentagem de 20% de energia renovável, sendo a restante nuclear. A energia nuclear tem apenas 12gCO2/kWh o que coloca este país como um dos mais limpos da europa a produzir electricidade.
Voltando a Portugal, o nosso problema é ainda termos duas centrais térmicas que funcionam a carvão. E é por aqui que os que são contra os eléctricos pegam, o carvão é feio e sujo. E é, têm toda a razão. Estas centrais devem deixar de funcionar totalmente até 2030, mas o que já acontece actualmente é que estas centrais chegam a estar desligadas 2 e 3 dias seguidos quando existe excesso de produção de energias renováveis aqui ou em Espanha (compramos e vendemos energia a Espanha).
Em dias desses temos emissões gerais tão baixas como 94gCO2/kWh durante o dia, com 86% de energias renováveis.
E se não chover, não fizer vento nem sol, como é?
Nos raros dias em que isso acontece, e num período de seca severa temos uma percentagem baixa de renováveis, 26%, e emissões de 484gCO2/kWh.
Isto porque ainda queimamos carvão por ser caro andar sempre a parar e a arrancar uma central a carvão, senão as emissões eram inferiores.
Mas a energia renovável pode ser armazenada em grandes baterias, o que acontece em Portugal. Baterias feitas de água! Existem já algumas barragens com sistema de bombeamento de água.
De uma forma simples, são duas barragens, uma deixa passar água para produzir energia que é retida na segunda barragem. Durante a noite, com excesso de produção de energia renovável essa água é bombeada de uma barragem para a outra e pode ser novamente usada para produzir energia.
Funciona como uma enorme bateria e pode ser usado para aumentar a produção de energia quando as renováveis não produzem o suficiente. Em inglês, um vídeo do Tom Scott explica o funcionamento deste tipo de sistemas e a sua importância para manter a rede eléctrica em funcionamento quando as renováveis não produzem energia suficiente.
Os carros também carregam maioritariamente durante a noite, quando não estão em uso. Durante a noite o preço da electricidade é também mais baixo por existir excesso de produção.
Quanto polui afinal um carro eléctrico?
Um típico carro eléctrico como o Nissan Leaf com 150cv e 320 Nm gasta 15kWh/100km numa condução normal. É o mesmo que gasta o meu Ampera em cidade e com o ar condicionado ligado. Se for conduzido de forma económica este valor desce para os 12 ou até 10kWh/100km. Mas vamos ter em conta os 15.
E como os carros de combustão indicam a poluição em gramas por quilómetro, vamos usar esse valor também. E como a "arma de arremesso" é o carvão vamos também ter em conta a produção da electricidade na Polónia, o país europeu que mais carvão usa para gerar electricidade.
94gCO2/kWh | 484gCO2/kWh | 695gCO2/kWh |
---|---|---|
14g/km | 73g/km | 104g/km |
Portanto se carregarmos o carro num dia em que as centrais de carvão estão desactivadas temos 14g/km de CO2. Num dia mau, sem vento, sol ou chuva, 73g/km. Se moramos na Polónia com 80% da electricidade proveniente de carvão temos 104g/km.
Para termos uma ideia do que isto significa, um Toyota Prius com um consumo de 3.6l/100km tem emissões de 108g/km, e não é fácil fazer esse consumo com uma condução despreocupada, mas prefiro colocar os valores a favor da gasolina para não me chamarem de tendencioso.
Mas esta comparação não é justa para os eléctricos, porque os dados de emissões dos automóveis a combustão apenas têm em conta o que sai do escape, e não o processo de refinação, energia gasta em pipelines e no transporte dos parques de combustível para os postos de abastecimento, mais a energia usada pelo posto de abastecimento em si.
Se apenas olharmos para o que sai do escape então temos 0 emissões para os eléctricos.
Se tivermos em conta que neste processo, com valores optimistas, é gasto cerca de 1kWh de energia eléctrica por cada litro de gasolina refinado e transportado, na realidade o Prius passa a ter emissões de 111g/km se usarmos o valor mais baixo da tabela ou de 125g/km se for um dia sem sol, vento ou chuva para produzir renováveis.
Mesmo num quadro desfavorável ao eléctrico, com apenas 26% de renováveis um Prius, um dos carros mais económicos no mercado, tem quase o dobro das emissões de CO2 de um carro eléctrico. Mesmo comparando com a Polónia as emissões do Prius são superiores.
Se formos realistas e tivermos como base o carro mais vendido em Portugal, o Renault Clio com o consumo de 4.9l/100km a gasóleo temos emissões de 128g/km no escape, 133g/km com o processo de refinação num dia de baixas emissões, temos emissões 9 vezes superiores ao que polui carro eléctrico.
E a grande maioria dos utilizadores de carros eléctricos têm planos de energia verde. No meu caso, com a Mobilidade Eléctrica da EDP a garantia é dada que a energia consumida por mim é produzida a partir de centrais hidroeléctricas, portanto emissões de apenas 3,6g/km. A maior refinaria de Portugal, em Sines, está praticamente ao lado da maior central eléctrica de carvão.
Produzir um carro eléctrico polui mais
Existem vários estudos que o comprovam porque é necessária energia para produzir as baterias que não é usado num carro normal. No entanto todos esses estudos indicam que o valor é rapidamente amortizado pelas baixas emissões de utilização de um veículo eléctrico, conforme indicado acima.
Um estudo da IVL indica que a produção de uma bateria de 30kWh para um Leaf emite 5.3 toneladas de CO2.
Vamos supor que o Prius não tem bateria e faz os fantásticos 3.6l/100km só com o seu motor a gasolina. Como faz 111g/km e um Leaf 14g/km temos uma diferença de 97g de CO2 por cada quilómetro percorrido. Isto quer dizer que ao fim de 55.000 quilómetros as emissões superiores na sua produção já foram compensadas pelas baixas emissões de uso.
Mas só pela piada vamos supor que o Prius continua a fazer os 111g/km mas o eléctrico é carregado apenas em dias em que só temos 26% de renováveis. A diferença passa a ser de 38g/km e são precisos 140.000km para começar a poluir menos.
É claro que nenhum carro não híbrido consegue fazer estes consumos em condições normais, nem um híbrido o consegue facilmente.
Se fizermos contas ao Renault Clio temos uma diferença de 119g/km. Ao fim de 44 mil quilómetros já abateu as emissões superiores no fabrico e está agora a poluir menos 119g/km que o Clio.
As baterias em fim de vida poluem bastante
Este ponto é interessante, anos e anos a reciclar pilhas e baterias de telemóveis e portáteis e só agora é que as baterias em fim de vida são um problema.
Primeiro temos que acabar com o mito das baterias precisarem de ser trocadas regularmente. No caso do Ampera existe um carro com cerca de 700.000km e a bateria é a original, com a mesma capacidade de carga. Existem Prius a fazer serviço de Taxi que chegam aos 600.000km com a bateria original, um caso na Austria já ultrapassou um milhão de quilómetros rodado!
Existem casos em que as baterias têm que ser trocadas, sim, quase todas em garantia porque se trata de uma tecnologia recente. Ao contrário de uma bateria de portátil ou de telemóvel em que se coloca para reciclar e se compra outra, num automóvel normalmente só se trocam as células que têm problemas, nunca se troca a bateria por completo. Existem empresas que o fazem actualmente.
Outras baterias, em carros acidentados por exemplo, são usadas para outros fins como o armazenamento de energia. Seguindo a ideia da Powerwall da Tesla, são usadas baterias de carros ligadas a paineis solares para guardar energia produzida durante o dia (quando existe excedente de produção) para garantir energia em casa e até para carregamento de carros eléctricos durante a noite, reduzindo ainda mais as emissões.
E mesmo que uma bateria de 30kWh tenha uma perda de carga de 10kWh e deixe de ser útil num carro, continua a ter 20kWh disponíveis para ser usada como armazenamento de electricidade.
Antes de reciclar temos que reutilizar. A Renault tem um projecto para usar as baterias dos seus carros em fim de vida em Porto Santo para armazenamento de energia.
Mesmo na Formula E em que as baterias deixam de ter utilidade entre cada época porque as capacidades e especificações são alteradas, estas são reaproveitadas para armazenamento de energia.
Em termos de reciclagem, a Duesenfeld faz a reciclagem de forma ecológica, usando a energia residual presente nas baterias para ajudar a reduzir o consumo energético da empresa e consegue reciclar até 85% dos materiais usados na bateria.
A exploração do lítio é terrível para o ambiente
Apesar das baterias serem chamadas de lítio, apenas 5 a 7% do material usado numa bateria para um automóvel é lítio, existem muitos metais adicionais utilizados.
A exploração de petróleo e os desastres ambientais com os derrames de combustível têm um impacto muito superior no ambiente do que a exploração de lítio.
Adicionando a isso o facto que o lítio e os outros metais usados numa bateria podem ser reciclados, ao contrário do petróleo, não existe muito mais a acrescentar.
Não existe electricidade suficiente para carregar todos os carros
A ideia é utópica, de um dia para o outro todos os carros são 100% eléctricos e temos que construir centrais a carvão porque não existe electricidade para todos. Mesmo que fosse esse o caso, conforme está comprovado mais acima, as emissões continuam a ser inferiores num carro eléctrico.
A realidade é que não existem novas centrais a carvão para serem construídas. Em Portugal actualmente só se tem apostado em energia renovável. Os novos projectos são de centrais de energia solar, eólica e biomassa.
E a rede de energia tem um excedente de capacidade, senão em picos de uso de energia tinhamos apagões frequentes, o que não acontece. E a maioria dos carros irá carregar durante a noite, período onde é mais barato por existir um excedente de produção de energia.
Temos ainda toda a energia consumida pelas refinarias que vai acabar por ser inferior. Esta descida aliada ao excedente de produção de energia durante a noite mantém a rede electrica equilibrada para o consumo dos carros eléctricos com alguma margem e não vão aumentar as emissões por isso.
As emissões vão passar das cidades para onde estão as centrais eléctricas
Novamente a ideia do carvão e termos que queimar mais carvão para carregar os carros eléctricos.
Mas para desmistificar isto tive em consideração as emissões durante a semana na Avenida da Liberdade em Lisboa e em Sines entre a central eléctrica a carvão e a refinaria.
De acordo com o BreezoMeter num dia sem vento às 13h30 o nível de qualidade do ar em Lisboa era de 50/100, em Sines 65/100.
A qualidade do ar é pior no centro da cidade onde as emissões são apenas dos automóveis comparativamente a uma área industrial pesada com uma central elétrica a carvão, uma refinaria e uma unidade petroquimica.
Tirando os níveis de O3 e SO2 que são superiores em Sines em quase o dobro, em Lisboa o nível de particulas (PM10 e PM2.5) CO e NO2 eram 10 vezes superiores ao medido em Sines.
Em conclusão, os carros eléctricos são bons para o ambiente
Para fazer um resumo que o artigo é extenso, as emissões de um carro eléctrico são sempre inferiores a um carro comum de combustão. Mesmo comparando um Prius com o melhor consumo possível, sem ter em conta as emissões da produção da sua bateria, e colocar o consumo de um carro eléctrico no pior patamar possível com energia vinda de fontes poluentes as emissões são inferiores.
E numa comparação justa com um Renault Clio as emissões são 9 vezes inferiores ao usar um carro eléctrico.
Portugal tem muita produção de energia a partir de fontes renováveis, e tirando 3 a 4 semanas durante um ano com condições atmosféricas atipicas, as emissões são extremamente baixas.
Não vão existir apagões nem vamos ter baterias em montes porque não se conseguem reciclar, tudo isso está resolvido.
Este artigo foi interessante de fazer. Tive que pesquisar muito, aprendi bastante sobre o mix energético de Portugal e outros países europeus, o uso de energia das refinarias, o pipeline usado para transportar combustível de Sines para Aveiras e depois ser distribuído por camião e as emissões daí inerentes, assim como a produção de combustível e o consumo de combustíveis em Portugal.
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